6 de ago. de 2015

A luta pela permanência dos jovens no campo

A queda na presença dos jovens nas propriedades rurais, principalmente as de âmbito familiar, é preocupante porque existe a possibilidade desse setor produtivo e socioeconômico do Rio Grande do Sul desaparecer. O agravante é que os campos gaúchos perderão com o êxodo rural toda uma cultura própria, além do impacto econômico, visto que mais de 70% da produção de alimentos consumidos pela cidade e pelo campo é originária desse universo rural. 

Produtor no interior de Pinheiro Machado, Adílson Fagundes ressalta que a população em localidades rurais como Jaíba, Restinga e Chapeado está diminuindo. “As pessoas estão ficando mais velhas e precisam de uma maior atenção. Porém, não há infraestrutura para suprir as necessidades de que precisam, como na saúde, por exemplo. Assim, muitos estão se desfazendo de suas propriedades e migrando para as cidades”, comenta o produtor que pertence a uma faixa restrita de pessoas com até 30 anos que ainda permanecem no campo. 

Fagundes é casado, tem sua casa e propriedade, além de auxiliar o pai que também é produtor – um caso de êxito na questão da sucessão rural. Porém, para Fagundes, as motivações da saída crescente das famílias do meio rural estão no pouco retorno dos governos para o setor. A falta de atrativos para a permanência dos jovens soma-se a questões estruturais e de segurança. Estradas e corredores em péssimas condições de trafegabilidade e o abigeato em expansão são apontados também como fatores determinantes para que atividades no campo diminuam. 

Esse último cresce consideravelmente, explica o produtor, visto que traz insegurança, principalmente porque as propriedades, hoje, contam com número menor de pessoas. O exemplo desse cenário está no dia a dia das próprias localidades rurais. 

A reportagem ao passar por Torrinhas, no interior de Pinheiro Machado, ouviu de um morador, que preferiu não se identificar, o lamento de quem observa nas construções antigas uma realidade que ficou para trás. “Tínhamos até um pequeno hospital, que não existe mais. Até o deslocamento dos moradores do interior foi afetado. O ônibus que os pegava nas localidades e levava para municípios como Candiota e Bagé agora passa em apenas dois dias da semana. A maioria dos jovens da minha época foi embora para a cidade, para estudar e trabalhar”, relata. 

Políticas públicas 

O primeiro vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Nelson Wild, reitera que o tema é extremamente relevante e que preocupa cada vez mais a entidade. “Qual o futuro da agricultura e da pecuária familiar sem a permanência dos jovens no campo? É preciso, diante da atual realidade mundial, de globalização da economia e dos atrativos que as cidades oferecem para a juventude, discutir alternativas para diminuir o êxodo dos jovens”, afirma Wild, que aponta como necessária a tomada de medidas pelos governos para manter condições para os jovens permanecerem no campo. “Os filhos estão trabalhando nas indústrias beneficiando a matéria-prima produzida pelos pais. Deveriam estar no campo, fomentando essa produção e gerando maior desenvolvimento para o setor”, enfatiza o dirigente. 

Conforme Wild, a pauta é constantemente debatida pela Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), principalmente pela Plenária Nacional da Juventude Rural, na qual o público jovem do campo elabora suas principais demandas. 

Entre elas, está o acesso a terra, para conseguir produzir; a desburocratização do crédito fundiário, que, segundo Wild, está há mais de três anos em negociação pelo governo federal e ainda não cumprido, bem como acesso à energia elétrica, à telefonia móvel, internet, infraestrutura e educação. “Resumindo: o jovem do campo precisa de políticas públicas direcionadas especificamente para que ele possa permanecer produzindo e obtendo renda. Enquanto houver essa burocracia para eles conseguirem acesso a benefícios, o pouco investimento na educação no campo, o jovem não irá ficar no campo para seguir em áreas diminutas de terra, vendo o sofrimento de seus pais para produzir”, comenta o vice-presidente da Fetag.  

População que envelhece 

A sucessão rural, atualmente, é um grande desafio para os estudiosos que se interessam pelos fenômenos sociais e para aqueles que formulam e executam as políticas públicas. Há um dilema que é vivido pelos jovens rurais entre o sair ou permanecer na propriedade, principalmente quando se trata de oriundos da pequena propriedade familiar. É o que aponta o pesquisador da Embrapa Pecuária Sul e professor de Sociologia da Urcamp, Jorge Sant’Anna. “Uma parte dos jovens permanece. Mas há um fenômeno estatístico, que é histórico, que mostra que nossa população rural está envelhecida. Há poucos jovens no meio rural (algo em torno de 15% da população residente no campo possui entre 15 e 29 anos, que é a faixa considerada “jovem”, inclusive pelos organismos de cooperação internacional). Esse esvaziamento precisa ser melhor problematizado. É nisso que nós da pesquisa temos nos empenhado”, argumenta.  

Fatores para abandono 
Em primeiro lugar, o esvaziamento do campo é consequência da pressão do mercado de trabalho urbano-industrial, aponta o sociólogo. Momentos como na década passada, de crescimento da economia e do emprego, freiam a pressão, mas a indústria, quando atravessa fases de crescimento, absorve bastante os jovens oriundos do meio rural. “No caso do Rio Grande do Sul, temos observado que muitas indústrias instaladas no interior têm recrutado a mão de obra de jovens rurais. Essa mão de obra é muito bem-vinda na indústria, porque o tipo de educação que o jovem rural recebe é diferente daquele recebido pelos criados em ambientes urbanos. Eles são disciplinados para o trabalho, muito respeitosos, quase não se envolvem com drogas. Então, é muito frequente ver-se no interior do Estado o ônibus da empresa ir até as áreas rurais, pela manhã, recolher jovens que trabalham durante todo o dia na indústria e, no final da tarde, esses ônibus retornam deixando o pessoal na porta da propriedade. Não é somente a indústria que se interessa por essa mão de obra, também o setor de serviços, o comércio”, aponta. 

Em segundo lugar, conforme Sant’Anna, está a sedução do consumo urbano e das facilidades que a cidade oferece como lazer, entretenimento, esportes, melhoria do sinal da Internet e da telefonia celular; afinal, por mais que o campo tenha avançado em tecnologia, o sinal nas áreas rurais ainda é muito precário. Também é fator que a família empreende um projeto de ascensão social que passa pela saída dos filhos das propriedades para a cidade, para que possam cursar uma faculdade. “Tal projeto de ascensão é absolutamente legítimo, mas está baseado na ideia de que a atividade rural e o trabalho rural são menos nobres do que a atividade urbana e o trabalho urbano quando confrontados com este. Parte de um raciocínio equivocado de que o trabalho rural é sempre penoso, duro. É a velha dicotomia, muito antiga no Brasil, entre trabalho intelectual e trabalho braçal. O trabalho intelectual é para as classes superiores e o trabalho braçal para as inferiores. Ora, a atividade rural não tem que representar necessariamente trabalho duro, ela tem muito de trabalho intelectual também. Tem que comportar muito de conhecimento, de ciência e de tecnologia para poder proporcionar, inclusive, maiores rendimentos, a ponto de diminuírem a penúria do trabalho. A propriedade, mesmo a pequena, deve permitir a possibilidade de que a família que nela trabalhar possa obter renda e melhorar de vida”, comenta. 

O pesquisador ainda aponta que um dos fatores também pode ser a relação difícil entre pais e filhos; estes enxergando na cidade um lugar de liberdade. “Temos que pensar na unidade de produção familiar como uma empresa, sim. E relações entre pessoas fazem parte do processo de gestão”, explica Sant’Anna. Quem também compartilha a opinião da “sedução” que a cidade traz para o jovem rural como fator para o êxodo no campo, é a assistente técnica regional social/juventude rural da Emater/RS-Ascar, Jacqueline Bragança. 

No entanto, a extensionista da regional de Bagé ressalta que, muitas vezes, os jovens são incentivados pela própria família a não passarem situações observadas como difíceis que os pais passaram, cultivando a ilusão, em muitos casos, de conseguir uma melhor qualidade de vida na cidade. “Constata-se, também, que sucessão na propriedade rural geralmente é destinada ao filho homem, em face desse fato, as jovens mulheres são incentivadas a buscar na cidade oportunidades de emprego e acabam fixando-se e formando família no meio urbano, causando a masculinização e o consequente envelhecimento das famílias do meio rural”, pondera a assistente técnica. 

Ela observa ainda que, muitas vezes, há um número significativo de sucessores e a propriedade não possui área suficiente para promover o sustento de mais famílias, o que ocasiona frente a isso a venda da área, com seus sucessores desempenhando outras atividades na cidade.

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