18 de set. de 2015

Um Projeto para lembrar Porongos

Escrito por Daiane Lima e Estefânia Borges - Jornal Minuano

Um dos mais sangrentos episódios da guerra dos Farrapos foi desenrolado no atual território de Pinheiro Machado. A batalha de Porongos, ocorrida na madrugada de 14 de novembro de 1844, foi travada próximo ao fim da Revolução. Neste episódio, os lanceiros negros do exército Farroupilha, liderados por David Canabarro, foram massacrados pelas tropas imperiais, comandadas pelo coronel Francisco Pedro de Abreu. A memória do confronto, preservada pelo município, ainda divide opiniões.

O Sítio Histórico de Porongos é patrimônio do Rio Grande do Sul. O local da batalha é assinalado por um marco. O projeto do memorial, que venceu um concurso nacional em 2006, não chegou a sair do papel. A proposta foi elaborada por seis arquitetos. O trabalho era focado na proteção e recriação do meio ambiente. A ideia previa a identificação de acessos rurais, como trilhas e estradas vicinais além da criação de uma ciclovia ligando Bagé a Pelotas, passando por Pinheiro Machado, paralela àa BR 293. Da via, seriam criadas ramificações para o sítio de Porongos. As ocupações e as áreas de preservação deveriam ser também identificadas e controladas.

De acordo com o secretário municipal de Administração, Luiz Henrique Cabral, a ideia vencedora não foi contratada por se tratar de um projeto além das possibilidades financeiras da cidade. "Era algo grandioso e não tinha como o município arcar com todas as despesas", explica. A ideia do governo municipal é promover outro concurso, também para a construção de um memorial, mas de forma regional. Com uma nova seleção, o titular da pasta acredita que poderia ser selecionado uma proposta viável.

Uma história polêmica
A batalha no Cerro dos Porongos, hoje município de Pinheiro Machado, foi o último confronto da Revolução Farroupilha. O combate resultou no massacre do Corpo de Lanceiros Negros. O professor de história Marcelo Baldino Magalhães, conta que antes de iniciar a rebelião armada contra o Império, os chefes farroupilhas prometeram aos patrões (estancieiros e charqueadores) que não usariam escravos como combatentes. Possivelmente para não retirar a mão-de-obra das fazendas, o que prejudicaria seus negócios e lucros. Porém, logo que começaram as primeiras batalhas, os farrapos sentiram que possuíam um contingente pequeno para vencer os imperiais, o que os levou, em 1837, a formar o 1° Corpo de Lanceiros Negros, comandados por um branco, Teixeira Nunes. O próprio Giuseppe Garibaldi, herói da unificação italiana e grande internacionalista que lutou ao lado dos farrapos, chegou a dizer que nunca viu um corpo militar lutar com tanta bravura como os destemidos guerreiros negros.
 
Magalhães relata que os farroupilhas prometiam dar liberdade aos escravos que batalhassem a seu favor. Ao final de 1844, já há nove anos em conflito, e com a província desgastada, a guerra parecia perdida. No entanto, com o intuito de dar um fim ao conflito, David Canabarro teria mandado, na madrugada de 14 de novembro, tirar todas as armas dos escravos. O argumento era o medo de que estes se rebelassem. Para o historiador e autor do livro "Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo", Paulo Monteiro, a traição do líder Farrapo é um fato. A famosa carta escrita pelo então barão de Caxias, destinada ao coronel Francisco Pedro de Abreu, o Moringue, comprovaria a teoria. "Neste documento, Caxias pede a ele que poupe 'sangue brasileiro' e avisa que as tropas estariam desarmadas. Isso configura a prova da traição de Porongos", defende. O documento, com a devida assinatura de Caxias, é reconhecido como autêntico pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
O historiador e um dos responsáveis pela transformação do Cerro dos Porongos em sítio histórico, Benoni Araújo de Oliveira, de Pinheiro Machado, também defende a tese de que o lugar foi marcado pela traição. Ele acredita que Canabarro realmente deu ordens para desarmar os lanceiros negros, com a intenção de facilitar a vitória dos imperiais. Nem todos os pesquisadores, entretanto, estão convencidos.
O escritor José Otávio Gonçalves Neto, de Bagé, acredita que não houve uma traição planejada. "Morreram no combate negros e brancos. Como os negros eram maioria, acabaram morrendo em maior quantidade", garante. "A revolução não era abolicionista, e sendo republicana não tolerava escravatura", completa.
No ano passado, a batalha completou 170 anos. Hoje, em Pinheiro Machado, no local onde aconteceu o conflito, existe um Memorial aos Lanceiros Negros, onde foi gravado um poema do africano Birago Diop, sobre a ancestralidade. Uma das estrofes convida o visitante a ouvir 'no vento o soluço dos arbustos': "é o sopro dos antepassados... Nossos mortos não partiram...", sustenta o texto.

Chegada à Rainha da Fronteira
A memória dos mortos na batalha de Porongos também tem espaço no imaginário bajeense. A Rainha da Fronteira foi o destino dos imperiais após a vitória sobre os negros lanceiros em 1844. Na Rainha da Fronteira, após o combate, foi realizada uma missa. A cerimônia ocorreu em "uma humilde capelinha situada ao local onde hoje está a Catedral de São Sebastião, que foi construída muitos anos depois", segundo o historiador José Otávio Gonçalves Neto. Uma placa de bronze, instalada na torre direita do templo, imortalizou o episódio. Para o historiador Claudio Lemieszek, não existe dúvida sobre a presença de Caxias em Bagé. Ele teria vindo à cidade para uma reunião decisiva para a construção dos acordos de paz, formalizados em 1845. O fato também é citado no livro A Igreja de São Sebastião de Bagé, de Tarcísio Taborda.
Gustavo Barroso, em uma coluna na revista O Cruzeiro, de 15 de agosto de 1959, também cita Bagé como o destino dos imperialistas naquela situação. Ele destaca que o grupo chegou à cidade sob o comando do barão de Caxias e foi recebido por um grupo de moradores, liderado pelo vigário, que o convidaram para participar do evento conhecido como Te-Deum - uma festa de ação de graças. O líder imperial teria recusado o convite e, diante da insistência do grupo, chegou a dizer que "não considerava troféus as desgraças de seus concidadãos e chorava pelas vítimas como um pai por seus filhos". Assim, o militar teria pedido ao vigário para celebrar uma "missa de defuntos" em que, tanto ele quanto a tropa, participariam.


Um comentário:

João Cleese disse...

Onde fica exatamente este cerro/arroio Porongos? Gostaria de visitá-lo. Se possível, poderia dar latitude/longitude?