10 de jan. de 2014

Os diversos horizontes

Por: Miguel Régio

Há pessoas que parecem, melhor, que manifestam verdadeiro orgulho em dizerem que “são baguais”, buscando evidenciar com isso um sentimento atávico pelas raízes primevas da colonização do Rio Grande. Não nego que tenhamos motivos para ter orgulho de nossa história; afinal foi ela feita de lutas, de honra e abnegação, mas não podemos, quais animais de carga, ver o mundo com antolhos, focados num objetivo único, muitas vezes direcionado, e ignorar a verdade por traz da história contada. 

O Rio Grande é diferente porque tem quase a metade da idade do Brasil e porque foi colonizado por casais açorianos que para cá vieram diretamente, sendo depois acrescidos dos alemães e italianos que se fixaram nas terras desprezadas da Serra Gaúcha. Até então, o Rio Grande era o Pampa. Na vastidão dos campos, no ondulado das coxilhas e no remanso das águas foram surgindo estâncias, vilas e cidades que acabaram por dar-nos em definitivo estas terras que antes eram terras de Espanha. 

Por que há vários pequenos países de língua espanhola na América Latina e apenas um de língua portuguesa? 

Porque o Reino da Espanha foi invadido por Napoleão e, quando este foi invadir Portugal, toda a corte fugiu para o Brasil, o que acabou garantindo nossa integridade territorial com um governo centralizado. Napoleão é o “herói” do Brasil unitário!

Nesses tempos conturbados foi sendo construído o nosso Rio Grande, não por somente por “gauchos” ou gaúchos, homens desregrados, livres e transnacionais, quase índios, que habitavam o interior do que hoje é o Uruguai e partes do nosso estado e do norte da Argentina, mas, e principalmente, por lideranças políticas e militares que se valeram destes homens de vastos horizontes materiais e curta visão, de bravura indômita e nenhumas posses, de honra e lealdade inquebrantáveis, mas de alma teatina. Homens que muitas vezes transgrediam a tênue linha da ética social e faziam valer apenas seus interesses imediatos. Estes homens, com seu apego pela aventura e liberdade, foram usados pelos líderes para engrossarem as fileiras dos corpos militares que fizeram as revoluções e guerras; homens cujos ideais foram idealizados mais tarde e suas falhas cinzeladas para a construção da figura do herói. 

Nos idos da Revolução Farroupilha, se chamássemos Bento e seus oficiais (ou quaisquer outros próceres da República) de gaúchos seria uma ofensa, pois eles se
intitulavam riograndenses, e provavelmente riograndense seria o nosso gentílico se o Rio Grande houvesse ficado separado do Brasil. 

O gaúcho hoje cultuado é apenas um mito, um avatar gerado pela saudade de um passado de supostas glórias, e que se espelhou na figura do homem simples, rude, inculto, misto de índios castelhanos e portugueses, mas livre e corajoso de outrora. Um homem de fácil manipulação quando pego pelo “lado certo”, e que, como o povo de hoje, cabresteava faceiro, ignorante dos interesses políticos.

Nossas planuras lhes permitiam visar ao longe, mas por não terem montanhas, não sabiam que a um horizonte segue-se outro e mais outro quanto mais alto se galga o monte. Orgulhosos, refugiavam-se num mundo particular, repudiando o fluxo inexorável do progresso. Cultuar a tradição não é negar nossa essência evolutiva, é louvar o passado mantendo uma comunhão com o presente, é crescer sobre os alicerces da história. 

Da verdadeira liberdade (por si uma utopia), só nos aproximamos com o esforço de galgar a montanha infinita do conhecimento, que nos mostra os diversos horizontes de mundos desconhecidos. O saber permite aos novos homens seguir de onde outros pararam; permite ver a matemática por traz de uma flor, a sombra da terra projetada na Lua e deduzir que é redonda; encontrar a cura de doenças que mataram milhões, “correr como os antílopes” e “nadar como os peixes”, conquistar o espaço e os abismos do mar, enfim, evoluir até o dia em que possamos descobrir de onde viemos, porque viemos e para onde iremos. 

Ser gaúcho, hoje, é ter orgulho da nossa história, preservar nossa cultura, e amar nossas tradições, mas também nosso futuro. Ser gaúcho não é “ser bagual”, grosso, machista e ignorante. Ser gaúcho é ser livre, bom, trabalhador e honrado, é ver o mundo do alto e reconhecer, na pontinha do Brasil, o nosso amado Rio Grande.


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