14 de ago. de 2011

Observar e Reagir: Doces lembranças

Por Vera Oliveira

Tínhamos um Ford, modelo A, preto, quatro portas, que meu pai dirigia com cautela e atenção pra não deixar apagar, sobretudo nas subidas. Era nele que íamos a cidade. Cabia toda a família, que beleza! Num dia qualquer, o motor apresentou problemas e não teve jeito, precisou ficar na oficina para concerto. Nesse período, deixamos de ir a cidade, exceto meu pai, que uma ou duas vezes por mês, imagino, ia, à cavalo, comprar as precisões mais urgentes. 

Acho que eu devia ter, nessa época, uns seis ou sete anos, não mais, e lembro que entrava em pânico na véspera dessas idas de meu pai à vila. Achava, tais viagens, uma aventura, coisas horríveis poderiam acontecer com meu pai no trajeto e temia que ele não voltasse. Nesses dias, passava aérea, encafifada e só arriscava um desabafo com minhas bruxas de pano. 

No fim do dia, arrumava meu banquinho num lugar estratégico e, olhos fixos na estrada, ficava ali até contemplar a primeira visão de meu pai. Então, tão logo avaliasse que estava ao meu alcance, corria ao seu encontro. Montava junto com ele e, em silêncio, voltávamos pra casa. Na chegada, a recompensa: o sortido de balas e o embrulho de tijolinhos mariolas. 

Alguns anos depois, meu pai abandonou sua quinta de pessegueiros, seu bosque de eucaliptos e tudo o mais que construiu com seus braços e era o seu mundo e veio morar na cidade para os filhos estudarem. Abriu um pequeno comércio e como sempre fizera até então, trabalhou duro pra ganhar a vida e sustentar a família. Vale lembrar, que, naqueles tempos, os casais não se separavam por ninharia, de tal sorte que poucas crianças cresciam sem pai. 

Neste domingo, é dia dos pais. A saudade alcança meu velho e me vejo outra vez junto a ele, despacito, chegando à casa da minha infância. Na memória da boca o doce das mariolas. Ofereço, estas lembranças, aos verdadeiros pais, sejam eles biológicos ou não, excluindo, dessa condição, os que apenas transmitem os genes, sem se envolverem com a criação dos filhos, quando muito, alcançando algum recurso financeiro, determinado, ou não, pela pensão judicial. 

Estes, têm muito que aprender; estes, não sabem, ainda, o que é ser Pai.

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3 comentários:

Marilete disse...

Amiga Vera, muito lindo o que escreveste, sou testemunha de parte de tua história, visto que fomos vizinhas por muitos anos e me lembro do teu pai, uma pessoa muito educada e amigo de todos.

Niaia disse...

As lembranças de nossa infância são tão mágicas que, muitas vezes, gostaríamos de poder voltar no tempo para aproveitá-las um pouquito mais.

Jovânia Oliveira Farias disse...

Vera, que lindo.Fizeste a chorona aqui encher os olhos d'àgua.Lindo o texto, senti saudade do meu velho pai também, aquele que não era somente um pai para pagar pensão ou para alcançar algum recurso financeiro, mas o melhor e mais bonito homem deste mundo.O melhor pai...o meu pai!!! bjos e parabéns!!